sexta-feira, abril 08, 2005


Oitavo Andar

Seria bom descer do oitavo andar e caminhar pela rua até o metrô, sentindo o vento gelado das seis da tarde, ver o tédio endomingado dos comércios, o sobrado caindo aos pedaços, a barraca de pastel por cinqüenta centavos fechada, o colégio de portas trancadas, o barulho das crianças dentro das suas casas, o pipoqueiro da saída assistindo televisão, sentindo aquela tristeza gostosa de te ver só semana que vem. E descer as escadas rolantes pra ter meu passe emperrado pela máquina desgostosa de trabalhar aos domingos e feriados.

(Vermelho)
-- O passe é novo.
(Vermelho)
-- Te garanto.
-- Troque com o caixa, não precisa pegar a fila.
Não precisa, porque não há fila.
(Verde)

Seguir no sentido Tucuruvi, pelos vagões vazios do metrô que acelera e pára, mesmo que ninguém desembarque, mesmo que ninguém embarque com um discurso desgraçado e um pacote de chicletes salvador das misérias da vida do irmão paraplégico, que venham e se sentem ao meu lado, pra que eu me esqueça feito criança sem memória das brincadeiras de sábado, e te peça, cada vez que te veja, pra repetir meu sorriso tolo com as mesmas brincadeiras. E você repete.
Desembarco na estação, pego o sentido Barra Funda, subo as escadas e espio a máquina de livros pra ver se alguém compra aquela auto-ajuda, o último título que encontrei foi "Não Use Livros Sobre Como Educar Seus Filhos" e eu fiquei imaginando como o autor conseguiu escrever um livro inteiro sobre isso. Lembrei que minha mãe queria uma cópia de "Como Educar Garotos" e pensei em dar o "Não Use Livros Sobre Como Educar Seus Filhos" à ela. Melhor seria fazer um bilhete com a nota. Irrompe o som agudo dos freios da máquina que abre as portas e me convida "entra, que hoje é domingo" e eu vou embora sem meu livro de ajuda, sem o pastel de cinqüenta centavos, e você já evapora, quando a porta fecha, e eu vou embora.

Na Barra Funda, o maquinista ordena "que todos os passageiros desembarquem pelo lado esquerdo do trem". Dá vontade de ficar. Eu costumava pensar que os trens da estação final iam embora para uma espécie de abismo e, assim, eram automaticamente substituídos por novos trens que nasciam de um túnel na próxima estação. A vida fica muito mais sem graça quando se sabe que eles só dão a volta para seguir o itinerário normal. As catracas rangem mais alto no domingo. As pessoas passam sem te encarar. Os relógios da estação dançam em ritmo de bolero: dois minutos para frente e um minuto para trás. Parece que a semana que vem é tão longe que eu mal posso alcançá-la. Queria poder comprar os bilhetes para a próxima semana na bilheteria; mas a moça me vende a passagem de volta para casa. Eu aceito e ainda pago. Se o dinheiro sobra compro um pacote de balas na loja. Crueldade eu não ter comprado os chicletes para o irmão paraplégico do homem, no vagão do metrô.

No ônibus você se senta ao meu lado. Encosta sua cabeça na minha, pede carinho, faz graça com a boca, joga os cabelos na minha cara e eu distante, olhando o Tietê passar pela janela, repito em transe "semana que vem é ali mesmo". Pouco a pouco você se cansa, passa pra poltrona dezessete e vai sumindo com a cidade, atravessando pontes, virando lembrança num farol de carro. Todas as coisas que a gente não fez, todos os beijos que faltam no seu pescoço, os carinhos do meu dedo na sua orelha, sobrancelha e o seu rosto; o teu cheiro amanhecido, seus dois olhos inchados, preenchidos no espaço lindo e vazio de uma página em papel timbrado. Na semana que vem te toco o ventre de novo, rodopio em cima dos seus lábios, dormir ou viver não faz diferença, quando o tempo se preenche ao teu lado. Na semana que vem eu te quero, por cima dos parapeitos, dentro de todas as casas. Subindo no meu ombro, desafiando meus medos, perdendo teus sussurros na atenção da tevê desligada.

Na semana que vem, correndo todos os impropérios, eu sigo o caminho contrário. Caminhar pelo vento quente do metrô até a rua, ouvindo os gritos das crianças na saída do colégio, o pipoqueiro estourando, os comércios abertos, os pastéis da barraca queimando no óleo quente de mais de um dia, subir o oitavo andar e parar na porta de sua casa, me dando conta, de que a semana veio.


Eu sempre compro a poltrona 17. E pego essa linha de metrô. E ando isso tudo aí e algumas dessas coisas também me passam pela cabeça. Eu só não consegui ainda contar isso tão bem quanto ele.

... quando eu crescer eu vou escrever assim.

Um comentário:

Anônimo disse...

hahaha...adorei o comentario da pati!hahaa...

mas eu tb sempre pego apoltrona 17!eeee...hahaha

oh comentei em td!semrpe leio c sabe neh?!hihihi
t amo meu bem!
bjao!!!